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RIFOP 91 (32.1). Experiências, Perceções e Expectativas da Formação de Professores em Educação para os Media em Portugal

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Experiências, Perceções e Expectativas da Formação de Professores em Educação para os Media em Portugal

Experiencias, Percepciones y Expectativas de la Formación del Profesorado en Educación para los Medios en Portugal

Experiences, Perceptions and Expectations of Teacher Training in Media Education in Portugal

MANUEL PINTO
SARA PEREIRA


Datos de contacto:

Manuel Pinto: Universidade do Minho, Campus de Gualtar, P-4710-057 Braga. Correo electrónico: mpinto@ics.uminho.pt
Sara Pereira: Universidade do Minho, Campus de Gualtar, P-4710-057 Braga. Correo electrónico: sarapereira@ics.uminho.pt

Recibido: 20/10/2017
Aceptado: 12/02/2018



RESUMO

Nos últimos anos, muito tem sido dito sobre a importância da formação de professores para promover a Educação para os Media na escola. Vários documentos apontaram a sua urgência e vários estudos (por exemplo, Bujokas, 2015; Taye & Pérez-Tornero, 2012; UNESCO, 2011; Bazalgette, 2007) chamaram a atenção para a necessidade de preparar os professores para enfrentar os desafios da era digital, explorando os recursos e as oportunidades oferecidas pelos media e as redes digitais para enriquecer o desenvolvimento pessoal e social. A integração curricular e a formação de professores em Educação ou Literacia para os Media continuam a ser, no entanto, um grande desafio para o sistema educativo. Em Portugal, o ‘Referencial de Educação para os Media para a Educação Pré-escolar, o Ensino Básico e o Ensino Secundário’, aprovado pelo Ministério da Educação em abril de 2014, assume-se como um marco para a implementação da Educação para os Media nas escolas. A partir desta iniciativa, bem como do Projecto Europeu ‘e-MEL - e-Media Education Lab’, foram promovidos pelos autores deste artigo, no ano letivo 2015-2016, quatro cursos de formação contínua de professores em regime b-learning. Este artigo pretende apresentar os resultados destes cursos de formação, discutindo as expectativas dos professores, as competências desenvolvidas e os obstáculos identificados pelos formandos. Tendo por base esta experiência de formação, pretende-se também discutir os princípios metodológicos e as modalidades de formação em Literacia para os Media. O artigo termina apontando a necessidade de uma política educacional que valorize a formação de professores, o que poderá contribuir para uma implementação consistente da Educação para os Media nas escolas.

PALAVRAS-CHAVE:Educação para os Media, Professores, Formação, Currículo, B-learning

RESUMEN

En los últimos años, mucho se ha dicho sobre la importancia de la formación de profesores para promover la Educación para los medios en la escuela. Varios documentos han señalado su urgencia y varios estudios (por ejemplo Bujokas, 2015; Taye & Pérez-Tornero, 2012; UNESCO, 2011; Bazalgette, 2007) han llamado la atención sobre la necesidad de preparar a los docentes para enfrentar los desafíos de la era digital, explotando los recursos y oportunidades provistos por los medios y las redes de comunicación para enriquecer el desarrollo personal y social. La integración curricular y la formación de profesores en educación para los medios de comunicación siguen siendo, sin embargo, un gran desafío para el sistema educativo. En Portugal, el ‘Referencial de Educación para los Medios para la Educación Preescolar, la Enseñanza Básica y la Enseñanza Secundaria’, aprobado por el Ministerio de Educación en abril de 2014, puede representar un marco para la implementación de la Educación para los Medios en las escuelas. A partir de esta iniciativa, así como del proyecto europeo ‘e-MEL-e-Media Education Lab’, fueron promovidos por los autores de este artículo, en el año escolar 2015-2016, cuatro cursos de formación continua de profesores en régimen b-learning. Este artículo pretende presentar los resultados de estos cursos de formación, discutiendo las expectativas, las competencias desarrolladas y los obstáculos identificados por los profesores. Con base en esta experiencia de formación, se pretende también discutir los principios metodológicos y las modalidades de formación en Alfabetización en Medios. El artículo termina apuntando a la necesidad de una política educativa que valorice la formación de profesores, lo que podrá contribuir a una implementación consistente de la Educación para los Medios en las escuelas.

PALABRAS CLAVE:Educación para los Medios, Profesores, Formación, Currículum, B-learning

ABSTRACT

In recent years, much has been said about the importance of teacher training in promoting media education at school. Several documents have indicated its relevance and several studies (Bujokas, 2015, Taye & Pérez-Tornero 2012, UNESCO 2011, Bazalgette 2007, for example) have drawn our attention to the need to train teachers to face the challenges of the digital age, exploiting the resources and opportunities provided by media and communication networks to enrich personal and social development. However, curriculum development and teacher training in media literacy continue to be major challenges for the educational system. In Portugal, the ‘Media Education Guidance for Kindergarten, Basic and Secondary Education’, approved by the Ministry of Education in April 2014, may have been a milestone for implementing media education at schools. Under this initiative of the Portuguese Ministry of Education and under the European Project ‘e-MEL: e-Media Education Lab’, four b-learning courses aimed at in-service teachers were promoted by the authors of this paper in the 2015-2016 academic year. Approximately 130 teachers from different educational areas and school grades attended these courses. This paper presents the results of this training experience, discussing the trainees’ expectations, the competencies they developed and the obstacles they identified. It also aims to discuss the methodological principles and the types of teacher training in media literacy. The article concludes by pointing out the need for an educational policy that values teacher training, which could contribute to a consistent implementation of media literacy in schools.

KEYWORDS: Media Education, Teachers, Training, Curriculum, B-learning

1.-Introdução

Em 2014, ano de aprovação pelo Ministério da Educação de Portugal do ‘Referencial de Educação para os Media para a Educação Pré-escolar, o Ensino Básico e o Ensino Secundário’, um documento orientador para as escolas portuguesas, tem início o projeto europeu ‘e-MEL - e-Media Education Lab’ que contempla, na sua fase de experimentação, o desenvolvimento de cenários de formação de professores em Educação para os Media. Neste artigo, pretende-se apresentar resultados da análise de  quatro cursos de formação, dois promovidos por solicitação da Direção-Geral de Educação (DGE) e outros dois no âmbito do projeto e-MEL e que envolveram cerca de 130 professores de distintas áreas geográficas e de diferentes áreas e níveis de ensino do país. As expectativas, as competências desenvolvidas, bem como as principais dificuldades identificadas pelos formandos, são o foco principal de análise. Partindo desta experiência de formação, pretende-se também discutir os princípios metodológicos e as modalidades de formação em Literacia para os Media, especificamente a modalidade b-learning, e refletir sobre as condições em que decorre atualmente a formação de professores.

O artigo começa com um ponto em que se discute os desafios que os ambientes mediáticos e comunicacionais colocam às escolas e aos professores e a necessidade de haver preparação para incorporar e explorar com as crianças e jovens as experiências e práticas que decorrem da sua relação com os media e as redes digitais, enquanto consumidores e produtores de informação. As perspetivas apresentadas nesta parte procuram explicar a importância e a urgência de iniciativas de formação de professores, já reivindicadas pela Declaração de Grünwald de 1992. A partir deste quadro, apresenta-se, no ponto 3, o contexto em que decorreram os quatro cursos de formação contínua de professores, bem como os temas e objetivos que os nortearam. Explica-se também a metodologia que norteia este artigo. O ponto seguinte abre com uma caracterização dos professores que participaram na formação, seguindo-se a apresentação dos principais resultados provenientes dos questionários de diagnóstico e de avaliação, aplicados no início e no fim do processo formativo. Por último, discutem-se alguns dos resultados com maior destaque e desenham-se breves recomendações que não deixam de ser um reforço de conclusões e de perspetivas já anteriormente avançadas, mas ainda pouco concretizadas.

2. Novos ambientes mediáticos, escola e formação de profesores

2.1. Perspetivas gerais sobre a vertente formativa

Na era do Facebook, Instagram e Snapchat, o que significa educar crianças e adolescentes? Como é que a escola tem em conta, no desenvolvimento do currículo formativo, o novo ambiente informativo e comunicacional configurado pela internet e pelas redes e plataformas digitais? Na verdade, no último quarto de século, não foi apenas a paisagem tecnológica que mudou. Foram também os processos de produção e de circulação da informação, as modalidades de interação e de relacionamento, os referenciais e formas de criação e de consumo culturais. A instituição escolar e o papel dos professores e educadores não podiam e não podem deixar de ser questionados, neste novo contexto.

Numa perspetiva menos eufórica, multiplicaram-se os mecanismos de controlo, os processos de vigilância, as modalidades de fake news e propaganda e as armadilhas à segurança individual. Ao mesmo tempo, e como chama a atenção António Damásio no seu livro mais recente, o excesso e a velocidade da informação, a “exaustão provocada pelo excesso de factos”, bem como o tempo e a atenção desviados da “experiência imediata do ambiente que nos rodeia para uma experiência mediada por uma grande variedade de dispositivos electrónicos” (Damásio, 2017: 294-295) colocam novos desafios à comunicação entre as pessoas e, necessariamente, aos contextos e processos de aprendizagem.

É perante este novo ambiente que se pode dizer que um professor do século XXI não pode deixar de incorporar na sua formação conhecimentos, competências e atitudes que o habilitem a lidar com as gerações mais novas, mas também a construir-se como profissional e como pessoa nesse novo quadro de vida.

O reconhecimento de que algum tipo de Educação para os Media orientada para a cidadania deveria estar presente na formação de professores vem de antes da emergência e difusão do acesso à internet e à web É o caso da Declaração de Grünwald sobre Educação para os Media. Nela os especialistas da Unesco apelam aos responsáveis académicos e políticos a que desenvolvam cursos de formação de docentes e outros agentes educativos para “aumentar quer os seus conhecimentos e a compreensão dos media quer para os formar nos métodos de ensino apropriados, tendo em conta o conhecimento (…)que muitos alunos já possuem” (Unesco, 1982). Vinte e cinco anos depois, uma reunião internacional realizada em Paris alertava para a conveniência de integrar a Educação para os Media na formação inicial de professores, considerando essa componente “um elemento-chave do sistema”, devendo incluir “dimensões teóricas e práticas” (Unesco, 2011).

Mais recentemente, esta preocupação leva a Unesco a convocar peritos para aprofundar e sistematizar o assunto, já num quadro novo desenvolvido ao longo da primeira década deste século, que procurou cruzar a tradição da media educationcom a information literacy e que levou à proposta do conceito de media and information literacy. Daí resultou um importante referencial que é um currículo dirigido a professores , entretanto, traduzido em 10 línguas, incluindo o espanhol e português. Nele se propõe uma visão holística que conjuga diferentes vertentes: análise dos medianovos e clássicos; avaliação dos conteúdos mediáticos e das fontes de informação; produção e uso dos mediae da informação. A orientação destas abordagens não pode perder de vista a participação dos cidadãos nos processos democráticos e os direitos humanos. Esta abordagem compreensiva e larga torna evidente que a formação de professores na área dos media e da informação não se confunde com o mero estudo dos media e menos ainda com a preparação docente no uso de tecnologias digitais nos processos de ensino-aprendizagem. A par do eixo sociocultural e do eixo textual, o eixo da tecnologia em lugar de meramente instrumental é, ele também, objeto de análise, enquanto fenómeno socialmente construído. É nessa direção que aponta também um dos documentos[1]produzidos no quadro do e-MEL, projeto que constitui um dos contextos empíricos analisados neste artigo.

As contribuições teóricas que abordam criticamente a formação de professores, como as de Linda Darling-Hammond (2010), sublinham aspetos que podem enquadrar a formação relacionada com os media e a informação e, por essa via, inscrever esta última numa estratégia formativa mais ampla. Segundo esta autora a formação de professores coloca em interação três vertentes de conhecimentos: o conhecimento dos alunos e o seu desenvolvimento em contextos sociais específicos; o conhecimento relacionado com a matéria /disciplina e com os objetivos curriculares; e o conhecimento associado ao know how profissional (pedagogia, gestão, avaliação, etc). Por outro lado, e como o processo formativo não é nem uma ilha nem uma mera técnica, torna-se importante ter presente que é em função dos alunos que o profissionalismo dos professores se exerce e que estes alunos são diferentes e aprendem de modo e em ritmos diferenciados. Por outro lado, quer o ensino quer a aprendizagem adquirem todo o seu sentido na medida em que promovem o desenvolvimento dos alunos como pessoas e também como cidadãos capazes de se inserir critica e ativamente no mundo envolvente, encontrando nesse exercício o seu lugar e contributo específicos.
2.2. Iniciativas de Educação para os Media no contexto portugués

A Educação para os Media pode revestir-se de um significado saliente quer enquanto dimensão ou inspiração das diferentes atividades curriculares, disciplinares ou não, quer enquanto matéria com lugar e autonomia próprios no currículo e na vida da escola. Correndo o risco de ser percecionada como secundária, ela é, no entanto, uma dos domínios em que mais facilmente se pode instituir a articulação entre o mundo da escola e a envolvente sociocultural e económica. Tal depende em boa medida dos centros educativos e dos professores. Mas depende naturalmente também das políticas educativas e das orientações curriculares.

Neste campo, importa notar que em Portugal se assistiu, nas últimas duas décadas, a desenvolvimentos contraditórios, nos quais se recortam as seguintes iniciativas:

      Um primeiro dinamismo surgiu da iniciativa do Público, um jornal diário de referência. Tratou-se de um projeto que visou aproximar os media da escola e da educação. Da sua atividade, destacou-se um concurso nacional de jornais escolares que chegou a ter perto de cinco centenas de participantes.

      Outra experiência, esta oficial, tem sido, desde 1996, a da Rede de Bibliotecas escolares (RBE), com uma presença em grande número de escolas e que tem sido um espaço de inovação e de dinamização de diferentes literacias, entre as quais a literacia mediática, com um saliente trabalho de formação de docentes. Cabe-lhe assegurar, na escola, “o funcionamento e gestão das bibliotecas, as atividades de articulação com o currículo, de desenvolvimento das literacias e de formação de leitores”.

      Desde 2009, tem funcionado um assim designado Grupo Informal de Literacia dos Media (GILM), que reúne atualmente perto de uma dezena de instituições públicas com competências e atividades relacionadas de algum modo com os mediae a educação. Das iniciativas tomadas, destaca-se a realização bienal, desde 2011, de um congresso de literacia, mediae cidadania, que tem sido espaço e motor da constituição de uma rede de professores, educadores e outros profissionais que intervêm nomeadamente em contexto escolar.

      Este grupo informal foi também o espaço onde germinou a ideia de um observatório de Educação para os Media (MILObs – Observatório de Media, Informação e Literacia) que, com o apoio do GILM, se encontra em fase de arranque no Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS) da Universidade do Minho.


      Também a Direção Geral de Educação desenvolveu, na presente década, atividades de Educação para os Media, como recursos, encontros, parcerias, redes de escolas com meios de comunicação escolares e iniciativas de formação de professores. É no seu âmbito que funciona a já referida Rede de Bibliotecas Escolares bem como, em parceria com o Ministério da Cultura, o Plano Nacional de Cinema que é “um programa de literacia para o cinema e de divulgação de obras cinematográficas nacionais junto do público escolar, garantindo instrumentos essenciais e leitura e interpretação de obras cinematográficas junto dos alunos”[2].

      Merece aqui referência a Recomendação sobre a Educação para a Literacia Mediática, aprovada pelo Conselho Nacional de Educação, em 2011, na qual se defende uma aposta que “garanta a formação (técnica e pedagógica) de professores, responsáveis de bibliotecas e centros de recursos e outros agentes educativos”.

      A Universidade do Minho, através do CECS, desenvolve desse há cerca de três décadas formação inicial e contínua de professores, educadores e comunicadores, bem como investigação científica centrada na Educação para os Media. Além do desenvolvimento do projeto do Observatório MILObs, realizou, por solicitação da ERC- Entidade Reguladora para a Comunicação Social, o estudo intitulado “Educação para os Media em Portugal - Experiências, Actores e Contextos” (2011), bem como o já referido Referencial de Educação para os Media, este em parceria com Eduardo Jorge Madureira, do projeto Público na Escola[3].

      Foi precisamente este Referencial, tal como a componente portuguesa do projeto e-MEL, que pretextaram e enquadraram os cursos b-learning de formação, que são a base empírica do presente artículo. O Referencial propõe guias de ação para a educação pré-escolar e os níveis de escolaridade básica e secundária, quer numa perspetiva de transversalidade do currículo quer de abordagens específicas – estas centradas em temas e subtemas.

Todas estas iniciativas, com diferentes proveniências e protagonistas, denotam uma preocupação de investimento na formação de agentes educativos. No entanto, tem havido, segundo os dados disponíveis, um retrocesso na oferta formativa a este nível, em Portugal. No estudo realizado em 2011 para a ERC, as conclusões do levantamento feito no país eram claras:

“O número de instituições de ensino superior públicas e privadas que fazem uma aposta clara na área da Educação para os Mediaé muito restrito (…). Nas instituições superiores privadas a aposta na área é residual. Pode afirmar-se que Portugal não assumiu, até ao momento, a Educação para os Media como uma aposta prioritária.” (Pinto et al., 2011: 128). E ainda: “com a entrada em vigor da reforma de Bolonha, pode afirmar-se que o panorama não melhorou, verificando-se mesmo que a temática da Educação para os Mediaperdeu terreno nas instituições de formação de professores” (id.: 129).

As razões são múltiplas, certamente, mas uma delas, de consequências negativas, teve que ver com medidas de política educativa que, para reforçar o peso de áreas tidas como sendo o core do currículo escolar, conduziram à redução de matérias relacionadas com a educação para a cidadania e a literacia mediática, considerando, em alguns casos, que a abordagem das TIC já respondia a essa vertente (id.: 130).

Cabe aqui ressaltar que esta tendência que se observou na formação de ensino superior viu-se reforçada com o impacto da crise económica que afetou a segunda década deste século, com fortes restrições orçamentais na formação de professores, incluindo na rede de centros de formação contínua. Por outro lado, muitos pais das classes médias, preocupados com os percursos escolares dos filhos e com o seu rendimento e classificações escolares, são os primeiros, a pressionar os professores para não aderirem a metodologias e experiências inovadoras.

Ou seja: o contexto de crescimento e de aprofundamento de ações e programas de Educação para os Media depara com uma relativa paralisia do investimento da formação de professores. As iniciativas nesta direção são pontuais e, em muitos casos, assentes na autoformação dos docentes. É, assim, neste terreno, que se torna necessário avaliar as poucas experiências feitas, cruzá-las com o percurso de outros países, para, por esta via, responder às enormes necessidades existentes.

3. O contexto da formação e a recolha de dados

Este estudo tem por base quatro cursos ministrados em 2016 a professores a exercer funções em escolas portuguesas em vários níveis de ensino.

Dois cursos foram realizados no âmbito do Projeto Europeu e-MEL – e-Media Education Lab, financiado pela União Europeia ao abrigo do programa Erasmus +. Este projeto envolveu seis países (Bélgica – Coordenação, Portugal, França, Reino Unido, Finlândia e Itália) e teve como objetivo central desenvolver um centro inovador de recursos online para formar professores em Educação para os Media[4]. Para chegar a este e-lab, a equipa realizou um trabalho prévio de mapeamento de competências de literacia para os media dos professores[5], nos países participantes, e desenvolveu e implementou cenários de formação[6](um total de 10)[7] em literacia mediática dirigidos a professores da formação inicial e a professores em exercício.

Os outros dois cursos foram realizados a pedido da Direção-Geral de Educação (DGE) do Ministério de Educação (ME) português. No seguimento da aprovação pelo ME, em abril de 2014, do Referencial de Educação para os Media para a Educação Pré-Escolar e o Ensino Básico e Secundário (Pereira, Pinto & Madureira, 2014)[8], estes cursos tiverem como principal objetivo promover a formação de formadores tendo em vista a implementação do Referencial nas escolas. Na base estava o propósito de formar formadores que pudessem replicar esta formação nos seus contextos de trabalho, de forma a conseguir chegar a mais professores de diferentes contextos geográficos. Foi com este intuito que a formação foi dirigida a dois grupos: um das áreas de Lisboa e Sul e outro que abrangeu as zonas Norte e Centro do país. A divulgação junto dos Centros de Formação e as inscrições foram geridas pela DGE. No total, concluíram os cursos 130 professores.



Formação DGE

Formação e-MEL
Cursos ministrados

CF1*

CF2*

CF1*

CF2**
Duração

25h

25h

25h

25h
Modalidade de formação

b-learning

b-learning

b-learning

b-learning
N.º de formandos

31

35

27

37
Forma de inscrição

Pela DGE

Pela DGE

Aberta

Aberta
* Compreender o Mundo Atual
** Usos dos media e audiências no ambiente digital

A formação teve por base a modalidade b-learning, ou seja, a combinação de sessões presenciais com sessões online, tendo cada curso decorrido ao longo de aproximadamente oito semanas. As primeiras e as últimas sessões, de um dia inteiro cada uma, foram presenciais. Esta interação direta foi essencial para o conhecimento mútuo de formandos e formadores e também para a avaliação da formação. As sessões online decorreram na plataforma Moodle, realizando-se a comunicação entre os formadores e os formandos através de Fóruns abertos em permanência para a partilha de informação e de recursos, bem como para o esclarecimento de dúvidas, e de outros Fóruns criados especificamente para o debate de alguns tópicos da formação. Teve também lugar a realização de sessões coletivas de conversação (chats), moderadores pelos formadores e com um guião definido previamente.

Como referido anteriormente, os cursos tiveram como ponto de partida o Referencial de Educação para os Media do Ministério da Educação de Portugal. Como tal, dos 12 temas de desenvolvimento apresentados neste documento[9], foram escolhidos dois para o desenvolvimento desta formação: o Tema 2 – Compreender o Mundo Atual e o Tema 9 - Audiências, Públicos e Consumos. Na base da escolha destes dois temas esteve a perceção dos formadores sobre a sua pertinência nos tempos atuais: por um lado, a necessidade de se dar aos professores ferramentas para explorar com os alunos o mundo em que vivem, despertando-os para a leitura crítica da atualidade e para o modo como os media a apresentam e representam; por outro, a necessidade de proporcionar aos formandos a compreensão das dinâmicas de uso e de consumo dos diferentes mediae sobre os desafios, as ameaças e as oportunidades enfrentados por crianças e jovens na nova paisagem mediática.

Este artigo tem por base os questionários de diagnóstico e de avaliação administrados aos formandos antes e depois da formação. Embora os questionários da formação da DGE e do e-MEL tivessem uma formulação diferente, em função do âmbito e dos objetivos da formação, eles contemplavam algumas questões comuns que nos permitem uma análise de conjunto. Quando esta não for aplicável, será feita uma leitura tendo por base o respetivo grupo de formação.

Os dados dos questionários foram tratados e analisados no programa de análise quantitativa SPSS.

4. Formação em Educação para os Media: perceções e expectativas de professores portugueses

4.1. Caracterização dos formandos

Participaram nos quatro cursos de formação contínua 130 professores, 66 nos cursos da DGE e 64 nos cursos do projeto e-MEL, a lecionar em escolas públicas, desde o 1º ciclo do Ensino Básico até ao Ensino Secundário[10]. Do total de professores, 88 eram do género feminino e 42 do género masculino. Estes professores tinham uma média de 49 anos de idade e uma média de 24 anos de serviço. Os formandos inscritos nos cursos do projeto e-MEL apresentavam uma média de tempo de serviço ligeiramente mais baixa que os formandos dos outros cursos, mas sempre acima dos 20 anos. Este dado aponta para professores já com uma vasta experiência profissional ao nível do ensino. No que diz respeito às áreas disciplinares, embora haja um leque diversificado de áreas, há um predomínio das humanidades e das ciências sociais: 40 formandos eram professores de língua materna (Português), 23 de línguas estrangeiras, 17 de ciências sociais (História, Geografia), 10 eram professores bibliotecários. De registar também 27 professores de ICT/Informática. Os outros formandos estavam dispersos por outros áreas, como sejam, Educação Visual, Educação Moral e Religiosa, Educação Física, entre outras. Seis professores lecionavam ao 1º ciclo do ensino básico, sendo este um ensino interdisciplinar.

Deste grupo de professores, 87 referiram ter alguma experiência na lecionação de Educação para os Media, contra 43 que mencionaram não ter essa experiência. O número de professores que menciona ter esta experiência é consideravelmente maior no grupo da DGE – um total de 61 – o que pode ter justificado a escolha para a frequência destes cursos. Dos diferentes contextos em que esta experiência ocorreu, salienta-se a sala de aula, seguindo-se as atividades extracurriculares e, em terceiro, a biblioteca escolar. Perante o panorama que é conhecido relativo à implementação da Educação para os Media nas escolas, este número não deixou de surpreender, pela positiva, os formadores.

4.2. As expectativas dos professores em relação à formação

Os quatro grupos de formação apontaram como principais expectativas aspetos relacionados especificamente com a Literacia para os Media (LM), ou seja, com o âmbito e os objetivos da formação – melhorar competências, aceder a novos conteúdos e melhorar capacidade de ensinar LM. Melhorar capacidades de aprender onlineé apontada por um número reduzido de professores, o que se explica pela familiaridade da grande maioria com a formação online e especificamente com a plataforma Moodle, que é aquela que as escolas usam habitualmente. Os formandos da DGE foram também inquiridos sobre as suas expectativa em conhecer e saber como aplicar o Referencial de Educação para os Media, tendo este item recebido um número razoável de respostas (48).



Gráfico 1 – Expectativas dos professores em relação à formação – CF1 e CF2 do e-MEL e da DGE

No âmbito do projeto e-MEL, foi solicitado aos formandos uma autoavaliação dos seus níveis de Literacia para os Media. No CF1, 13 consideraram esse nível baixo e 14 consideraram médio. De salientar que não houve nenhuma resposta em ‘muito baixo’ nem em ‘alto’. No CF2, 6 avaliaram o seu nível de Literacia Mediática como baixo, 27 como médio e 2 como alto. Esta aparente autoavaliação mais positiva poderá estar relacionada com a experiência relatada por este grupo ao nível da lecionação em Educação para os Media e no envolvimento em projetos neste domínio. Face a estes dados, compreende-se por que razão surge em primeiro lugar, ao nível das expectativas, o querer melhorar as competências de Literacia Mediática.

No que diz respeito às competências que esperavam desenvolver, a de análise dos mediasurge com algum destaque nos quatro grupos. Os formandos da DGE destacam de seguida as competências de produção mediática, enquanto os do projeto e-MEL salientam as competências pedagógicas, uma diferença que se pode explicar pela maior experiência expressa pelos professores dos grupos da DGE ao nível da lecionação em Educação para os Media. As capacidades técnicas recolheram neste conjunto menos respostas, mesmo assim, 48 professores esperavam desenvolver esse tipo de capacidades durante a formação. Dado que, com frequência, a Literacia para os Mediaé entendida pela vertente do acesso e do manuseio técnico das tecnologias e do seu uso como recurso para a aprendizagem, era importante saber se estas eram as principais razões que tinham guiado os professores até à formação. Também a este nível, as expectativas dos formandos foram de encontro ao que se encontrava delineado para os quatro curso de formação, centrados primeiramente na análise e compreensão crítica dos media e na transposição destas capacidades para o contexto educativo.



Gráfico 2 – Competências que os professores esperam desenvolver na formação – CF1 e CF2 do e-MEL e DGE

No questionário de diagnóstico, procurou-se saber que eventuais obstáculos os professores poderiam antever para o percurso da formação. O Gráfico 3 resume esses obstáculos. Destaca-se o facto de 99 professores não conseguirem, naquela altura, especificar qualquer obstáculo, embora os dois problemas que foram identificados logo no início da formação venham a ser os mais expressivos quer no decorrer das sessões, quer no momento da avaliação. Com efeito, estes aspetos foram tão destacados no final da avaliação que levaram os formadores a questionarem se o grau de exigência e o número de tarefas estariam adequados à duração dos cursos. Os formandos eram, na sua maioria, experientes neste tipo de formação, sendo alguns deles já formadores, sobretudo os que frequentaram os cursos da DGE. Ou seja, não estávamos perante grupos inexperientes neste domínio, sendo por isso um aspeto que merece alguma reflexão e a que voltaremos nas considerações finais.



Gráfico 3: Possíveis obstáculos no envolvimento nas atividades da formação – CF1 e CF2 do e-MEL e DGE

4.3. Avaliação da formação

Centremos agora a atenção no período pós-formação, detendo-nos sobre a avaliação realizada pelos formandos. De um modo geral, a formação foi bem recebida e bem avaliada pelos formandos quer do projeto e-MEL quer da Direção Geral de Educação. Embora a média relativa ao item ‘o curso foi fácil’ não atinja em nenhum grupo os quatro pontos, as médias dos restantes itens situam-se sempre acima desse valor, o que revela um nível muito razoável de satisfação com a formação e com a sua aplicabilidade no contexto profissional, como mostram os Gráficos 4 e 5. Com efeito, são de salientar os valores alcançados nas respostas relativas à utilidade das competências desenvolvidas para a vida profissional e à expectativa de a aplicar esta formação nos respetivos contextos de trabalho, sendo este um dos objetivos centrais dos cursos ministrados no âmbito da DGE.
Gráfico 4 – Avaliação do curso pelos formandos do CF1 do e-MEL e DGE (Escala de 1 a 5 valores, sendo 1= Discordo Totalmente e 5= Concordo Totalmente)




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Gráfico 4 – Avaliação do curso pelos formandos do CF1 do e-MEL e DGE (Escala de 1 a 5 valores, sendo 1= Discordo Totalmente e 5= Concordo Totalmente)




Gráfico 5 – Avaliação do curso pelos formandos do CF2 do e-MEL e DGE (Escala de 1 a 5 valores, sendo 1= Discordo Totalmente e 5= Concordo Totalmente)


Os grupos da formação do projeto e-MEL apontaram como atividades mais interessantes o trabalho desenvolvido em grupo, a par da exploração de recursos, seguida da formação presencial e dos exercícios de análise dos media. Como menos interessantes e como mais difíceis, aparecem destacadas as discussões em fóruns/chats, um aspeto que ao longo da formação se foi revelando como problemático, dadas as limitações da ferramenta proporcionada pela plataforma Moodle e a dificuldade, por parte dos formadores, em moderar um enorme fluxo de conversa. Um vez identificado este problema, os formadores adotaram diferentes estratégias para procurar minimizá-lo, desde a divisão do grande grupo em subgrupos, à elaboração de um guião de conversa, à definição de uma ordem pela qual os subgrupos deveriam apresentar as suas ideias e os seus trabalhos, mas a discussão síncrona online acabou por não alcançar um nível satisfatório, quer para formadores, quer para formandos. Este foi também o ponto mais fraco apontado pelos formandos da DGE ao nível das atividades desenvolvidas durante a formação. Como atividades mais interessantes foram indicadas a leitura dos textos propostos, a realização das atividades e a exploração de recursos, como por exemplo, vídeos e meios de comunicação online. Não deixa de ser interessante verificar que a interação com colegas é assumida por alguns formandos do curso da DGE de Lisboa como uma atividade difícil, não se registando a mesma opinião nos formandos do curso do Porto/Norte, o que talvez possa ser explicado pela interação que o trabalho de grupo proposto a este grupo acabou por fomentar.

Ainda a nível dos grupos da DGE, é possível verificar se a formação permitiu responder às expectativas formuladas no início do processo formativo e se correspondeu em termos de competências desenvolvidas. No que diz respeito às expectativas, pode-se considerar que, de um modo geral, a formação respondeu positivamente ao que os professores delinearam no questionário inicial, embora não em todos os aspetos (Gráfico 6).


Gráfico 6 – Expectativas que os formandos consideram ter atingido – CF1 e CF2 da DGE

O CF1 identifica como as principais expectativas alcançadas ‘ter uma noção do Referencial de Educação para os Media e como aplicá-lo’, ‘melhorar as competências em literacia mediática’ e, com o mesmo número de respostas, ‘aceder a novos conteúdos para fazer formação em Literacia Mediática’ e ‘melhorar a capacidade de lecionar Educação para os Media’. No que diz respeito ao CF2, as expectativas que obtiveram mais respostas são as mesmas, apenas mudando de posição alguns itens. Destes resultados, importa salientar o facto de a formação ter ido ao encontro das expectativas formuladas no início da formação. Embora não seja possível fazer esta afirmação para a totalidade dos formandos, nem seja possível estabelecer correspondência em cada caso individualmente considerado, pode-se no entanto tomar como garantida a satisfação das expectativas de um número significativo de formandos no que diz respeito aos quatro itens apontados anteriormente e que correspondem aos principais objetivos traçados para a formação. O mesmo não se verificou ao nível do melhorar a capacidade para ensinar e aprender online. Por um lado, a maioria dos formandos era já experiente neste tipo de ensino-aprendizagem online, sendo de admitir que os cursos não estavam voltados para esses objetivos.

Relativamente às competências desenvolvidas, sem dúvida que a de análise dos mediaé a mais apontada pelos formandos da DGE, quer do CF1 quer do CF2. Alguns formandos destes dois cursos (27) apontam também as competências pedagógicas. As competências de produção mediática parecem ter sido menos desenvolvidas, embora no questionário inicial também não aparecessem com um índice elevado de expectativas. Este deverá ser, contudo, um aspeto a que se deve que prestar mais atenção em futuras formações, dada a importância que a criação e produção de mensagens assume hoje no ambiente mediático.

A terminar, mas situando-nos ainda ao nível da avaliação da formação, valerá a pena citar alguns formandos, reproduzindo as avaliações que deixaram no campo das questões abertas do questionário. Sobre estas afirmações, e sobre a análise que fizemos sobre os dados aqui apresentados, teceremos algumas considerações no ponto seguinte.

Excelente. Imprescindível, pertinente, adequado. Uma mais-valia na orientação profissional futura. (CF1 e-MEL).

O curso tem bastante qualidade, pois alertou-me para questões fundamentais relacionadas com os media  e será de extrema utilidade para o meu papel de professor e bibliotecário. (CF1 e-MEL).

Foi um bom curso, útil e interessante, com aplicabilidade na prática profissional. O ponto alto, no meu ponto de vista, foi o contacto com novos recursos e a partilha de experiências entre colegas. (CF2 e-MEL).

Aquisição da consciência sobre a relevância da integração de conceitos de Educação para os Media no currículo escolar. (CF1 DGE).

Falta de um acompanhamento mais próximo e frequente na realização das atividades e do respetivo feedback. (CF1 DGE).

A reflexão proporcionada sobre a Educação para os Media e a forma como estes influenciam a visão do mundo. Esta reflexão e aprendizagem será útil quer no âmbito pessoal, quer no âmbito profissional. (CF2 DGE).
A consciencialização da importância que a Educação para os Media tem nas crianças e jovens e como tão pouco ou nada se trabalha sobre isto nas escolas com eles. (CF2 DGE).

5. Discussão e Considerações Finais

Como tem sido continuamente repetido por vários autores, para que a Literacia para os Media possa assumir o seu lugar e conquistar importância em contexto escolar, é necessário apostar na formação inicial e contínua de professores. É necessária uma política que favoreça a sua integração curricular e em projetos de escola, indo além das ações e iniciativas pontuais que vivem muito da militância dos agentes educativos. Em Portugal, como vimos atrás, o Conselho Nacional de Educação, a instância oficial mais representativa dos agentes educativos, recomendou em 2011, a aposta na “formação de professores em educação para a literacia mediática”. A publicação, em 2014, do Referencial de Educação para osMedia (Pereira, Pinto & Madureira, 2014) foi um passo em frente na definição de uma política de integração e de implementação da Literacia para os Media no ensino, desde o pré-escolar até ao ensino secundário. O documento é orientador do trabalho a desenvolver nestes níveis de ensino, mas não retira a necessidade de uma política e de planos de formação de professores. Pelo contrário. Foi neste âmbito que foram desenvolvidos dois dos cursos de formação apresentados anteriormente. Os outros cursos foram desenvolvidos no quadro de um projeto europeu que parte também do princípio da necessidade formar professores para tornar viável a implementação da Educação para os Media em terreno escolar.

Com o processo de Bolonha, que ditou a reorganização do sistema de ensino superior, áreas como a literacia mediática ficaram reduzidas ou desapareceram dos currículos da formação inicial de educadores e professores. Não obstante as recomendações europeias e nacionais, não houve progressos ao nível da integração curricular desta área. Ao nível dos currículos dos vários níveis de ensino em Portugal, a Literacia Mediática surge a par de outras catorze áreas temáticas, cabendo ao professor a escolha da área ou áreas a abordar com os alunos.

Perante um quadro de ausência de formação neste domínio ao nível da formação inicial, a aposta parece ter de recair na formação contínua, embora a austeridade económica que o país atravessou, e continua a atravessar, tenha afetado a oferta e a procura de formação, sobretudo de formação paga. O desenvolvimento tecnológico e as mudanças na paisagem mediática e nos padrões de consumo dos media constituem-se, no entanto, como condições favoráveis ao desenvolvimento de competências que permitam o uso crítico, responsável e criativo dos media e que fomentem a expressão de ideias, a produção e a participação cívica. O interesse demonstrado pelos professores na oferta dos cursos de formação aqui apresentados, bem como a avaliação final desses cursos, apontam para a existência, hoje, de uma maior sensibilização e consciência públicas face ao ambiente simbólico criado pelo digital e para a necessidade de estas matérias não ficarem do lado de fora dos muros da escola.

Este interesse foi bastante visível no percurso da formação e confirmado pelos resultados da avaliação. A heterogeneidade dos grupos e a diversidade dos interesses e necessidades dos formandos permitiu-nos identificar um conjunto de oportunidades e de dificuldades em relação à formação e ao quadro em que se desenvolveu. São alguns destes aspetos que pretendemos discutir nos pontos seguintes, à luz dos dados apresentados anteriormente.

    De um modo geral, os resultados da formação foram bastante satisfatórios, tendo contribuído para a concretização do Referencial de Educação para os Media;

    O ponto de partida dos formandos em relação à área era muito desigual, o que exigiu um trabalho inicial de clarificação de conceitos e de sensibilização para um trabalho a este nível nas escolas;

    Estes aspetos propedêuticos poderiam ser tomados como adquiridos caso houvesse uma maior continuidade na formação, o que permitiria passar a um nível mais avançado da formação;

    Nesta primeira abordagem, os formadores apostaram em duas das vertentes temáticas do Referencial – uma mais centrada nas questões do jornalismo e da atualidade, tendo como propósito explorar os modos como se conhece o mundo e o papel dos media nessa leitura e uma outra mais focada nas audiências e nos públicos e nos seus usos e práticas mediáticas. No caso dos cursos do projeto e-MEL, tanto no momento da inscrição como durante a formação, esta segunda vertente captou mais interesse e mais atenção por parte dos formandos, talvez pelos tópicos da formação e pela sua maior familiaridade com a segunda dimensão;

    As ações decorreram num contexto que dificulta os objetivos: o trabalho sobre Educação para os Media nas escolas é ainda incipiente ou mesmo inexistente, confundindo-se frequentemente media com tecnologia;

    O clima existente em muitas escolas, centrado mais nos resultados do que nos processos, de hipervalorização dos Exames e do cumprimento dos programas escolares, retira da escola e das salas de aula a abordagem de aspetos que fazem parte da vida dos estudantes mas que não são considerados centrais ou relevantes para o processo de ensino e para a formação socio-pessoal das crianças e adolescentes. Também as modalidades de trabalho que envolvem a participação dos alunos levantaram vários problemas em alguns casos;

    Com esta formação verificou-se o que era expectável: o que se vai fazendo no quadro da Educação para os Mediaé bastante tributário da dinâmica da Rede de Bibliotecas Escolares, ou seja, do trabalho que os professores bibliotecários desenvolvem no contexto da biblioteca escolar;

    A escassez de recursos que os professores possam tomar como apoio continua a ser notada, apesar da facilidade e do maior livre acesso à informação que a Web permitiu. Este tem sido aliás um problema recorrente, identificado em vários outros contextos de formação e de investigação[11](Pereira, Pinto & Pereira, 2012);

    O programa dos cursos acabou por ser ambicioso e o número de horas insuficiente. Os formandos foram unânimes quanto a estes dois aspetos, opinião que é também partilhada pelos formadores;

    A modalidade escolhida para a ministração dos quatro cursos – b-learning – revelou-se bastante adequada e permitiu reunir, no caso dos grupos do e-MEL, professores de diferentes áreas geográficas, de norte a sul do país, situação que teria sido impossível se a formação fosse unicamente presencial. O b-learning proporcionou aos formandos uma maior autonomia na gestão da formação e da sua aprendizagem, o que foi também uma mais-valia. Contudo, houve também aspetos negativos a registar: a dificuldade dos formadores em acompanhar e dar resposta a todos os comentários que os formandos iam deixando na plataforma; o silêncio por parte de alguns formandos e a dificuldade de os motivar a interagir; o funcionamento um pouco caótico das sessões síncronas usando o chat disponível no Moodle– este foi aliás o aspeto negativo mais vezes mencionado pelos formandos e que recebe a concordância dos formadores. Apesar das diferentes estratégias usadas, foi impossível chegar a um modo de conversação síncrona satisfatório. Chat com grupos grandes gerava confusão e dificuldade em acompanhar o que ia sendo escrito; por sua vez, chatscom grupos pequenos criava muitos tempos de silêncio e dificuldade em animar a discussão. O recurso a outro tipo de meio de comunicação, com e entre os formandos, poderia ter sido uma boa solução para corrigir estes problemas. As sessões presenciais que abriram e fecharam os cursos foram essenciais para o conhecimento do grupo, na medida em que permitiu ligar nomes a rostos e pessoas concretas, tendo ajudado a criar um clima de maior proximidade entre todos os participantes. Quando os grupos não têm membros dispersos geograficamente, a experiência desta formação aconselha a realização de mais sessões presenciais, algo que foi também reclamado por alguns formandos na avaliação;

    Por último, um aspeto que parece essencial e central a todo este trabalho: é necessária uma política consistente de formação de professores, e não apenas na área da Literacia para os Media. Esta questão não pode ficar apenas dependente da iniciativa dos docentes e do seu esforço de autovalorização; é imprescindível uma política educativa que valorize efetivamente a formação e que, ao fazê-lo, crie condições de espaço e de tempo favoráveis, no quadro do exercício da profissão, e com vantagens na progressão para todos aqueles que nela investem. Apostar numa política consistente de formação de professores, nomeadamente na vertente da Educação para os Media, é também uma forma de investir na qualidade e inovação no ensino-aprendizagem, na qualidade e motivação do corpo docente e - razão de ser da escola e da educação – no desenvolvimento e capacitação das “pessoas que moram nos alunos” (Azevedo, 2000).


Reconhecimento

Uma parte deste artigo é desenvolvida no âmbito do Projeto Europeu eMEL – e-Media Education Lab, cofinanciado pela União Europeia no quadro do programa Erasmus+.


Referências bibliográficas

Azevedo, J. (org) (2000). As pessoas que moram nos alunos.Porto: Edições Asa.

Bazalgette, C. (2007). Teacher Training for Media Education in the Uk. http://www2.mediamanual.at/themen/diverse/Bazalgette-Teacher_Training_for_Media_Education_in_the_UK.pdf

Bujokas, A. (2015). Media Education in Teacher Training. The Experience of the Federal University of Triângulo Mineiro Based on a UNESCO Proposal. In Ilana Eleá (Ed.),Agents and Voices - A Panorama of Media Education in Brazil, Portugal and Spain. Gothenburg: Nordicom - University of Gothenburg (Sweden).

Conselho Nacional de Educação (2011). Recomendação sobre Educação para a Literacia Mediática. Diário da República, 2.ª série, N.º 250, 30 de dezembro de 2011.

Damásio, A. (2017). A Estranha Ordem das Coisas.Lisboa: Círculo de Leitores.

Darling-Hammond , L. (2010).  Constructing 21stCentury Teacher Education. In Hill-Jackson, V. &Lewis. Ch. W. (eds.), Transforming Teacher Education. Sterling: Stylus Publishing. http://www.eavi.eu/joomla/images/stories/Publications/Study2_Assessment/mlstudy2/eavi_study_on_assessment_criteria_for_media_literacy_levels_in_europe.pdf

Pereira, Pinto & Madureira (2014). Referencial de Educação para os Media para a Educação Pré-escolar, o Ensino Básico e o Ensino Secundário. Lisboa: DGE/ME.

Pereira, S., Pinto, M. & Pereira, L. (2012). Resources for Media Literacy: Mediating the Research on Children and Media. [Recursos para la alfabetización mediática: investigación y propuestas para niños]. Comunicar, 39, 91-99. https://doi.org/10.3916/C39-2012-02-09.

Pinto, M., Pereira, S.,  Pereira, L. & Dias, T. (2011).Educação para os Media em Portugal - experiências, Actores e Contextos. Lisboa: Entidade Reguladora para a Comunicação Social.

Taye & Pérez-Tornero (eds.)  (2012). Curriculum and teacher Training for Media Literacy. Comunicar, 39(XX).  http://www.revistacomunicar.com/pdf/comunicar39-en.pdf

UNESCO (1982). Grünwald Declaration on Media Education .http://www.unesco.org/education/pdf/MEDIA_E.PDF [acesso em 10 de outubro de 2017].

UNESCO (2011). Media and Information Literacy Curriculum for Teachers.Paris: Unesdoc  http://unesdoc.unesco.org/images/0019/001929/192971e.pdf




[1]Verniers, P. & Tilleul, C. (2014) Media literacy key competences frame for teachers training. E-Mel Project. http://e-mediaeducationlab.eu/en/for-teachers-trainers-in-media-literacy/ (acesso em 5.10.2017)
[4]O centro de recursos pode ser acedido aqui: http://e-mediaeducationlab.eu
[5]Um tutorial sobre Competences Evaluationestá disponível aqui: http://e-mediaeducationlab.eu/wp-content/uploads/2017/04/B_Competencesevaluation_IHECS.pdf
[6] Designação adotada no âmbito do projeto, equivalente a cursos de formação, mas que pretendia destacar o contexto em que se desenrolava a formação, bem como os seus atores.
[7] Os cenários de formação podem ser consultados aqui: http://e-mediaeducationlab.eu/en/10-training-resources/
[8] O Referencial pode ser descarregado aqui: http://www.dge.mec.pt/educacao-para-os-media(versão em língua portuguesa e em língua inglesa).
[9]No Referencial propõe-se o tratamento progressivo, desde a educação pré-escolar até aos ensinos básico e secundário, de um conjunto de 12 temas, a saber: 1. Comunicar e informar; 2. Compreender o mundo atual; 3. Tipos de media; 4. As TIC e os ecrãs; 5. As redes digitais; 6. Entretenimento e espetáculo; 7. Publicidade e marcas; 8. Produção e indústria/profissionais e empresas; 9. Audiências, públicos e consumos; 10. Liberdade e ética, direitos e deveres; 11. Os media como construção social; 12. Nós e os media.
[10]Em Portugal, a escolaridade obrigatória é de 12 anos. As crianças entram para o 1º ano do Ensino Básico quando completam 6 anos de idade e terminam o seu percurso escolar aos 17/18 anos, ao concluir o 12º ano, o último ano do Ensino Secundário.
[11] Como forma de contribuir para colmatar esta lacuna, em 2009 o projeto ‘Media Education in Booklets’, financiado pela Evens Foundation (Bélgica), deu origem à produção de três booklets sobre Televisão, Internet e Videojogos, disponíveis aqui: http://www.lasics.uminho.pt/edumedia/?page_id=69.


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